sexta-feira, 30 de maio de 2008

Os bons tempos da grande reportagem


O jornalista Paulo Francis comentou certa vez, durante uma entrevista, que o jornalismo brasileiro era feito de altíssimos e baixíssimos. E um desses apogeus foi certamente a criação da revista Realidade, em 1966.

Por uma década (a experiência se encerrou em 1976), o leitor pôde usufruir o melhor jornalismo que se fazia aqui na época. Realidade explorou à exaustão o que se convencionou chamar de grande reportagem, gênero que teve em repórteres como Joel Silveira um de seus precursores no Brasil.

Realidade veio a lume numa década de acontecimentos extremos. Lá fora ocorriam conflitos históricos como a Guerra do Vietnã, a rebeldia dos estudantes em Paris, a luta pelos direitos civis nos Estados Unidos, a revolução do flower power etc. No Brasil, tinham início os Anos de Chumbo, com o cerceamento das liberdades civis e todas as conseqüências que adviriam para o país nas décadas seguintes. Nesse contexto explosivo a revista surgiu, vicejou e revolucionou.
Agregando um time de jornalistas de primeira linha, Realidade trouxe ao leitor um Brasil pouco discutido e conhecido. Abordou temas-tabu, a exemplo da reportagem "Sou padre e quero casar", veiculada na edição de setembro de 1966, e colaborou para expor o racismo brasileiro, como na reportagem "Existe preconceito de cor no Brasil", na edição de outubro de 1967. A revista abriu espaço para personagens controvertidos e contestatórios da rígida sociedade de então, como Leila Diniz. Na edição de abril de 1971, a eterna Leila enchia a capa de Realidade com um sorriso matreiro, em foto do não menos lendário David Drew Zingg, colaborador da revista.
Imitada por nascentes publicações, como a Veja, Realidade acabou perdendo a força original e fechou as portas, após ter publicado 120 edições (sempre mensais) e com elas ter abocanhado oito prêmios Esso. Os 17 jornalistas que fizeram a história da revista, tendo à frente nomes como Sérgio de Souza (atual editor da Caros Amigos), Paulo Patarra, Narciso Kalili, Woile Guimarães, Alessandro Porro, Walter Firmo, partiram para outras experiências. Enquanto circulou, Realidade contou com colaboradores como Nelson Rodrigues, Carlos Drummond de Andrade, Sérgio Augusto ou Paulo Francis.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Realidade na íntegra


Noite de sexta-feira, cansaço pegando, a garganta começa a doer... Estou cansada. Feliz por uns motivos, angustiada por alguns tantos, ansiosa por outros. A vontade de escrever é grande. É latente. É modo de sobrevivência. É o que me fez deitar tão tarde, ontem à noite. E dormi pouco. O que só colaborou para que agora eu esteja tão exausta.

Mas dei sorte de encontrar o que eu queria. Uma matéria da Revista Realidade na íntegra. Com fotos! Mazaahh! E ainda descobri um baita grupo de cabeças pensantes, produtores de um site admirável. Vale a pena conferir. Aí vai:

"Em julho de 1968 gloriosa revolução de 1964 se consolidava rumo a efetivação dos direitos inalienáveis de seus generais. Faltava pouco para Costa e Silva baixar o pau de vez e instaurar o AI-5. Nas bancas, chegava a edição número 28 da Revista Realidade, ao custo de NCr$ 1,50 (cruzados novos), estampando uma foto de Luís Travassos na capa, presidente da União Nacional dos Estudantes e pivô de uma disputa política ferrenha dentro da entidade contra outro militante estudantil, José Dirceu. Trazia ainda, entre outras reportagens, o relato do repórter José Hamilton Ribeiro, convalescendo em uma maca de hospital no Vietnam, depois de ter uma de suas pernas arrancada por uma mina enquanto acompanhava um esquadrão estadounidense durante a cobertura da guerra internacional que movimentava aqueles anos. A Revista Realidade chegava ao ápice de seu jornalismo que no próximo ano começaria a declinar, perdendo espaço dentro da Editora Abril para a, na época recém-criada, Revista Veja.

Nessa mesma edição, sob o tema "Polícia", o escritor João Antônio publicava seu segundo texto na revista, depois de passagem, em dois anos de carreira, pelo Jornal do Brasil, pela revista feminina Cláudia e pelo jornal Última Hora. João Antônio não negava querer viver só da literatura, mas na falta, seguia desenvolvendo um jornalismo intimamente ligado a sua ficção, apesar da forte motivação de subsistência. Na reportagem "Quem é o dedo duro?", seguia um dos temas caros a ele, a margilinalidade, sempre com um faro para os "tipos" brasileiros e seu linguajar, costurando tudo com descrições sucintas e uma narrativa precisa.

A reportagem, além de sua temática impressionante (o trabalho informal de um delator trabalhando para a polícia carioca no meio da malandragem), inquieta pela forma onisciente de narrar de João Antônio que não apresenta nem as circuntância em que encontrou o personagem principal, Zé Peteleco. As fotos também esquentam as orelhas. Cheiram a um ensaio ilustrativo, mas aquele dedo do fotógrafo na última imagem só se justificaria em um publicação como Realidade pela pressa ou coisa do tipo.

O grupo TR.E.M.A. disponibiliza fotos e texto desta reportagem na íntegra. Uma faceta intrigante do mundo anônimo que se esgueira diante de nossos olhos narrada por um discreto cagüeta jornalístico."

Para acessar a reportagem na íntegra, com direito a fotos das páginas, clique aqui. Ou na foto, ali em cima.

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Um pouquinho de Nomenclatura


Essas informações foram elaboradas pelo professor Edvaldo Pereira Lima (jornalista, autor de diversos livros, pesquisador de Jornalismo Literário e orientador de Teses e Dissertações nessa área. Leciona na USP, onde também fez Mestrado e Doutorado).

Jornalismo Literário

Modalidade de prática da reportagem de profundidade e do ensaio jornalístico utilizando recursos de observação e redação originários da (ou inspirados pela) literatura.Traços básicos: imersão do repórter na realidade, voz autoral, estilo, precisão de dados e informações, uso de símbolos (inclusive metáforas), digressão e humanização. Modalidade conhecida também como Jornalismo Narrativo.

Jornalismo Literário Avançado

Proposta conceitual e metodológica de prática proativa do Jornalismo Literário, delineada por Edvaldo Pereira Lima, incorporando conhecimentos de vanguarda provenientes de vários campos, como a psicologia humanista, a física quântica, a Teoria Gaia, a Teoria Geral de Sistemas. Instrumentos: histórias de vida organizadas em torno da Jornada do Herói e o método Escrita Total.

Literatura da Realidade

Sinônimo de Jornalismo Literário, Literatura de Não-Ficção, Literatura Criativa de Não Ficção. Aplica-se à prática da narrativa sobre temas reais, empregando reportagem - o ato de relatar ocorrências sociais - sob um conceito espaço-temporal e de método mais amplo do que nos periódicos. Praticada por jornalistas, escritores, historiadores e cientistas sociais.

Livro-reportagem

Veículo jornalístico impresso não-periódico contendo matéria produzida em formato de reportagem, grande-reportagem ou ensaio. Caracteriza-se pela autoria e pela liberdade de pauta, captação, texto e edição com que os autores podem trabalhar. Entre os tipos de livros-reportagem mais comuns estão a reportagem biográfica, o livro-reportagem-denúncia e o livro-reportagem-história.

Narrativas de Transformação

Proposta de utilização proativa do Jornalismo Literário, do Jornalismo Literário Avançado e da Literatura da Realidade em processos narrativos visando contribuir para a transformação da sociedade através da ampliação da consciência das pessoas. Conceitos-chave: a co-criação da realidade, a Teoria dos Campos Morfogenéticos e o pensamento produtivo complexo.

Ensaio Pessoal

Gênero emergente na Literatura da Realidade norte-americana. Mescla narrativa e reflexão dissertativa de tom pessoal, não acadêmico. O autor pode ser também personagem. Está envolvido de algum modo no acontecimento que dá origem ao texto e/ou assume posição clara nas reflexões associadas. O assunto abordado e o tema subjacente têm significado pessoal para o autor. Tanto a voz autoral quanto a imersão constituem qualidades desejáveis. Exemplo brasileiro: “Ayrton Senna – Guerreiro de Aquário” (Editora Brasiliense), de Edvaldo Pereira Lima.

Novo Jornalismo

Fase histórica e efervescente de renovação do JL nas décadas de 1960 e 1970 nos Estados Unidos, caracterizada pela introdução de novas técnicas narrativas (fluxo de consciência e ponto de vista autobiográfico), grande exposição pública e popularidade, reivindicação de qualidade equivalente à literatura. Abundantemente praticada em revistas de reportagem especializadas em JL, publicações alternativas, livros-reportagem e até mesmo em veículos da grande imprensa. Registra a ascensão para a fama de grandes mestres da narrativa do real, como Gay Talese e Tom Wolfe, assim como o salto para a produção de não-ficção de nomes consagrados da literatura, como Norman Mailer e Truman Capote.

Jornalismo Gonzo

Vertente peculiar do Novo Jornalismo, criada e popularizada por Hunter S. Thompson através de sua produção para a revista "Rolling Stone" e livros-reportagem. Consiste no envolvimento altamente pessoal e irreverente do repórter nos temas sobre os quais escreve, traduzido em forma narrativa excêntrica. Busca um modo de expressar a realidade muito apoiado na habilidade descritiva do autor. Praticada com destaque no Brasil atual por Arthur Veríssimo, na revista "Trip".

Histórias de Vida

Em jornalismo e Literatura da Realidade, este é um recurso de representação da realidade centrado em vidas de pessoas individuais ou grupos sociais. Surge como trabalho autobiográfico, de suporte de pesquisa ou de principal veio narrativo. Sob guarda-chuva conceitual amplo, num extremo abrange biografias e noutro, perfis. Em ciências sociais, Histórias de Vida é método de pesquisa.

Escrita Total

Método de produção de textos criativos, criado por Edvaldo Pereira Lima, tendo como parâmetro básico a Teoria dos Hemisférios Cerebrais, cuja comprovação garantiu o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia de 1981 ao neurologista Roger Sperry. Utilizado como ferramenta de sensibilização, pauta, observação e texto em Jornalismo Literário Avançado.

Jornada do Herói

Estrutura narrativa organizada numa combinação de estudos mitológicos de Joseph Campbell e da psicologia de Carl Gustav Jung, por Christopher Vogler, consultor de roteiros de cinema nos Estados Unidos. Utilizada por Spielberg e George Lucas. Adaptada para narrativas do real por Edvaldo Pereira Lima. Testada no ensino de jornalismo por Monica Martinez Luduvig em tese de doutorado na ECA/USP.

Fonte: Academia Brasileira de Jornalismo Literário