sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Paragrafando um capítulo

Escrever um TCC é complicado, mas de vez em quando nascem parágrafos fofos. Ainda podem ser editados, mas... Ahh, ficaram bonitinhos.
:)


Para recuperar um pouco deste referente histórico perdido na ânsia pelas notícias existe a reportagem. Menos concisa e mais envolvente, uma reportagem requer mais tempo e concentração para a leitura. Portanto, um jornalista que as escreve deve ter cuidados especiais com apuração e linguagem. Noblat diferencia os dois formatos dizendo que a “notícia é o relato mais curto de um fato. Reportagem é o relato mais circunstanciado” (NOBLAT, 2003). Ao lado dele está Nilson Lage, que distingue notícia de informação jornalística (categoria que inclui a reportagem) afirmando que “a notícia é mais breve, sumária, pouco durável, presa à emergência do evento que a gerou. A informação é mais extensa, mais completa, mais rica na trama de relações entre os universos de dados” (LAGE, 2004).

Tramas mais esclarecidas e contextos amplamente dimensionados ajudam os leitores a entender o que se passa na sociedade. E não há cidadania de verdade quando a população é ludibriada no direito à informação. Pena (2008) relembra os autores Bill Kovach e Tom Rosenstiel, defensores da ideia de que “quanto mais democrática uma sociedade, maior é a tendência para dispor de mais informações”. O que significa que as notícias não bastam se forem utilizadas apenas como ferramenta para distrair a atenção das verdadeiras conexões políticas, econômicas e culturais que permitem formar conhecimento e desmitificar as imagens espetacularizadas construídas pela mídia de massa.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

O início do primeiro capítulo

Estou começando o Trabalho de Conclusão de Curso. O tão aguardado, temido, e odiado por tantos, TCC. Como já previa, vou aproveitar o espaço do blog para organização de alguns materiais. Hoje escrevi cinco páginas. Posto três delas, ainda antes da minha orientadora avaliar.

O real não está na saída nem na chegada:
ele se dispõe para a gente é no meio da travessia.
Guimarães Rosa

Todo jornalista, para fazer um bom trabalho precisa saber contar histórias. No entanto, apesar de trabalhar com histórias não-ficcionais, jornalistas precisam da linguagem para representar o real. De acordo com a professora de Língua Portuguesa da Faculdade Cásper Líbero, Nanami Sato, “a ideia de representação carrega a de substituição, de reprodução, de figuração”. Ela aborda temas como a construção da objetividade jornalística através de um discurso que encarna a totalidade do real.

A relação entre representação e mundo representado mostra-se bastante complicada, pois uma coisa ou um conjunto de coisas corresponde a relações que essas coisas encarnam, contendo-as ou velando-as. Em vez de revelar o real, pode-se dizer que a representação, ao dar-lhe suporte, substitui a totalidade e a encarna, em vez de remeter a ela.

Mesmo que se postule que a representação revela alguma coisa do real, é preciso ter em mente as condições em que ela emerge. Basta lembrar que o autor já carrega em si certos implícitos de representação; o resultado, a representação, constitui, portanto, uma criação destinada a um ou mais receptores.

A vocação da notícia é representar o referente, o que torna a notícia, em princípio, verificável. Ao exigir-se do jornalista o uso da terceira pessoa que garantiria formalmente a impessoalidade do discurso, tem-se como resultado um discurso esvaziado, que acaba por ocultar o processo social que possibilitou a notícia.

O “apagamento” das marcas do sujeito tem como resultado um efeito de objetividade, pois o peso dado ao referente externo cria a ilusão de sua autonomia, de uma existência independente da linguagem. O efeito de objetividade “faz confundir a história enquanto processo com o acontecimento enquanto espetáculo” (Baccega: 1991: 126). (SATO In CASTRO, Gustavo de; GALENO, Alex, 2005, p. 30 e 31).

Sato considera que a representação da realidade é construída através de recortes do processo histórico que são apresentados como se constituíssem a totalidade.

A seleção dos momentos substitui o real por um real representado e traduz valoração do que se considera como momentos significativos. A preocupação com coleta de dados evidentes preenche o texto com pormenores descritivos, causando a impressão de que o real concreto basta a si próprio. A esse fenômeno Barthes (1970:136) chamou ilusão referencial. Jules Gritti (In: Barthes, R. et alli: 1973) considera a narrativa de imprensa uma espécie de jogo metanarrativo, o jogo das relações entre o narrador e as fontes de informação (SATO In CASTRO, Gustavo de; GALENO, Alex, 2005, p. 32).

No Brasil e no mundo, inúmeros jornalistas buscam no jornalismo literário uma forma de narrativa que, por ser menos pretensiosa no que tange ao efeito de objetividade e conter mais informações sobre o processo que transforma histórias em produtos midiáticos, soa mais honesta. A Academia Brasileira de Jornalismo Literário utiliza o conceito de jornalismo literário elaborado pelo jornalista, professor e pesquisador Edvaldo Pereira Lima:

Modalidade de prática da reportagem de profundidade e do ensaio jornalístico utilizando recursos de observação e redação originários da (ou inspirados pela) literatura. Traços básicos: imersão do repórter na realidade, voz autoral, estilo, precisão de dados e informações, uso de símbolos (inclusive metáforas), digressão e humanização. Modalidade conhecida também como Jornalismo Narrativo.

Tema amplamente debatido entre estudantes e professores, a relação entre o jornalismo e a literatura há muito tem alimentado pesquisas e análises. O escritor Moacyr Scliar (In Castro e Galeno, 2005, p.14) acredita que há sim, “uma fronteira entre jornalismo e ficção. Mas é uma fronteira permeável, que permite uma útil e amável convivência”. Para o autor que escreve crônicas em jornal e não é jornalista, a literatura tem muito a ensinar sobre o cuidado com a forma e a valorização da imaginação. Desde que, é claro, não haja exageros.

Segundo Francisco Gutiérrez Carbajo, “a relação entre literatura e jornalismo conhece um primeiro momento de esplendor com a aparição das revistas culturais do século XVIII, estreita-se ao longo do século XIX e constitui um dos capítulos fundamentais da cultura do século XX” (Gutiérrez Carbajo apud Medel, 2005, p.16). O catedrático de Literatura e Comunicação Manuel Ángel Vázquez Medel (In Castro e Galeno, 2005, p.16) admite que Jornalismo e Literatura “têm andado sempre de mãos dadas” desde o romanticismo, mas, baseado na obra de Marcel Proust, simplifica que a “literatura se orienta para o importante e a informação jornalística para o urgente” (Op. cit., p.18). Para ilustrar, apresenta a fala do protagonista de No Caminho de Swan, obra de Proust: “O que me parece mal nos jornais é que solicitem todos os dias nossa atenção para coisas insignificantes, enquanto não lemos mais que três ou quatro vezes em toda nossa vida os livros que contêm coisas essenciais”. O próprio Medel defende que “é verdade que nossa época se caracteriza pelo sacrifício das coisas verdadeiramente importantes, em benefício das que reclamam nossa atenção com o engodo da urgência.” (Op. cit.)

Um dos “obejtivos fundamentais de um programa comparatista e multicultural de investigação sobre as relações entre jornalismo e literatura” citados por Medel (Op. cit., p.21) seria a construção de “instrumentos metodológicos (...) e críticos para entender e apreciar o jornalismo como criação de uma natureza distinta àquela do discurso literário, porém com aspectos comuns” (Op. cit., p.22).

Juremir Machado da Silva, que é jornalista, escritor, professor da FAMECOS/PUC-RS e Doutor em Sociologia pela Sorbonne, entende que a distância entre jornalismo e literatura que muitos querem impôr à comunicação social pode trazer problemas. Para ele, “o jornalista que só pensa na precisão do dado, esquece a necessidade de imprecisão da forma” (In Castro e Galeno, 2005, p.50). E completa ainda, dizendo que “O grande problema do jornalismo contemporâneo vem do seu ideal de expressão (conteúdo) máxima com expressividade (forma) mínima. Em outras palavras, o jornalismo quer dizer muito com pouca literatura” (Op. cit., p. 51).

Sobre a dependência da linguagem ficcional, a Professora Nanami Sato defende que a própria prática jornalística impõe a relação com a linguagem ficcional.

Apesar da vocação para o “real”, o relato jornalístico sempre tem contornos ficcionais: ao causar a impressão de que o acontecimento está se desenvolvendo no momento da leitura, valoriza-se o instante em que se vive, criando a aparência do acontecer em curso, isto é, uma ficção. Além disso, o jornalismo, produto industrial, precisa de esquemas para captação de notícias, dos quais a fonte é uma das principais. As fontes podem constituir posições estereotipadas; frequentemente, com a consulta a especialistas, a ação quase não aparece, apenas a linguagem como reforço, como redundância. (SATO In CASTRO, Gustavo de; GALENO, Alex, 2005, p. 31 e 32).

Mestre em Literatura pela Universidade de Brasília e Doutor em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Rildo Cosson (In Castro e Galeno, 2005, p. 59) afirma que apesar do jornalismo ter sido “construído como uma escrita da objetividade (...) em oposição à subjetividade artística da literatura”, a própria história do jornalismo mostra que, tanto no Brasil como em outros países, “nasceu ligado à literatura e à política”, demonstrando “uma longa convivência entre os dois discursos, como comprovam não apenas as seções de variedades e os folhetins, de onde surgiu a nossa crônica, como também o exemplo maior de Os Sertões, de Euclides da Cunha”.

Continua... pelos próximos meses.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

"Você deve olhar para o que está fora das atenções"

Entrevista publicada originalmente no blog Jornalismo de Revista, em 19 de abril. E também, no site da Academia Brasileira de Jornalismo Literário.


Anne Hull é repórter especial do jornal “The Washington Post”.

Na entrevista a seguir, concedida ao jornalista e professor dinamarquês Ole Soennichsen, ela diz que, embora repórteres devam fazer perguntas, é importante também ser silencioso e discreto: “Isso exige muita disciplina, pois a maioria dos repórteres quer controlar a situação fazendo perguntas e dirigindo a conversa”.

O que torna a reportagem narrativa diferente da reportagem do jornalismo convencional?

De certa forma, as habilidades são as mesmas. A diferença está, na verdade, na escrita. Não importa o tipo de matéria que se procure fazer. Alguns procedimentos — observação, ouvido para o diálogo, um estado de alerta para sentir as coisas, fazer as perguntas certas — deveriam ser universais. Há algumas diferenças, porém.

Fazer reportagens narrativas envolve muito mais silêncio da parte do repórter. Não dá para ficar interrompendo o fluxo dos acontecimentos com perguntas. Você deve assistir ao desenrolar da ação, sem intervir. Você deve estar dentro e, ao mesmo tempo, fora.

Você disse uma vez que uma das coisas mais subestimadas ao se fazer reportagem é a observação - a arte de observar. Por quê?

Você precisa esculpir seu trabalho e não ser percebido. Nosso impulso natural é sempre fazer perguntas, mas isso às vezes é errado: isso o torna o centro das atenções, em lugar do seu personagem. Na quietude vem a humildade. Isso honra a pessoa que você está tentando observar.

As perguntas também são uma forma de controle. É uma maneira de ser o contra-regra. É claro que jornalistas devem fazer perguntas. Observar, no entanto, significa segurar suas curiosidades e deixar o assunto simplesmente viver. Silêncio e liberdade são essenciais.

Assim como o melhor repórter fotográfico, você deve olhar para o que está fora das atenções. Quando isso acontece, você enxerga, ouve e sente o cheiro de elementos que pergunta alguma poderia conseguir.

Como aprendemos a ser “uma mosca na parede” e não uma parte explícita da matéria?
Identificar suas fraquezas ajuda muito. Se descrever roupas não é seu ponto forte, escreva no seu bloco de notas “roupas”. Isso o lembrará de anotar o que alguém está vestindo.

Você pode lembrar a si mesmo de prestar atenção em tudo quanto é tipo de coisa. Quase sempre é difícil não expor sua opinião, ou não reformular a ação. Se você está num ponto de ônibus com seu personagem e o ônibus chega, mas o personagem não se levanta para pegá-lo, é difícil não dizer “Ei, este não é o seu ônibus?”. Só que você não pode. Você precisa ver o seu personagem perder o ônibus.

Por favor, vamos falar mais sobre observar — estar simplesmente quieto, assistindo a algo. Como você desenvolve essa habilidade e como explicar às pessoas que você as está acompanhando? Quanto tempo leva para conquistar uma aproximação suficiente para que elas aceitem isso?

Não existe técnica para você ser silencioso. Isso exige é disciplina, pois a maioria dos repórteres quer controlar a situação fazendo perguntas e dirigindo a conversa. Eles em geral têm pouco tempo para cumprir suas pautas. Mas algumas matérias exigem paciência e observação.

Veja o trabalho do repórter fotográfico. Ele se torna invisível, movimentando-se pelo ambiente, em volta de seu assunto, subindo, descendo, afastando-se. Um repórter pode fazer o mesmo. Assistir ao desenrolar de toda a ação. Lembre-se de ficar em silêncio. Seja paciente. Vá ficando por lá.

Para explicar isso, apenas diga no começo do processo da reportagem que, como repórter, você vai fazer um monte de perguntas. Você vai entrevistar várias pessoas, mas haverá momentos em que você vai apenas querer observar e entender.

De início, as pessoas estão inclinadas a agir performaticamente, ou elas ficam tão preocupadas que apenas ficam mais caladas. Mas logo que se sentem mais confortáveis, tendem a relaxar e voltam a se comportar normalmente.

Algumas pessoas agem naturalmente e logo já falam de seu mundo, mesmo com a presença de um espectador. Outras não se sentem tão confortáveis e exigem mais adaptação à presença do repórter.

Suas reportagens são feitas com pessoas comuns e não com fontes oficiais. O que isso representa? Você age de maneira diferente?

Pessoas comuns são geralmente as mais sinceras, mas também as mais vulneráveis. Como repórteres, nós temos a responsabilidade de não deixá-las esquecer que estamos observando, escutando e tomando notas.

Eles não podem confundir essa companhia com uma conversa de amigos. Essas relações podem ser calorosas e leves, mas estamos lá por uma razão, geralmente: para conseguirmos fazer uma matéria e fazê-la corretamente. Eu diria que essa é a maior diferença entre entrevistar pessoas comuns e as fontes oficiais.


Soube que você quase nunca usa um gravador. Por quê?

Transcrever gravações consome muito tempo. Prefiro fazer anotações, a não ser que eu esteja numa coletiva e preciso saber cada uma das palavras. Eu também uso o gravador quando a entrevista é sobre algo extremamente técnico ou não familiar para mim, para que eu possa anotar tudo e mais tarde escutar o gravador para compreender melhor.

Como você se lembra dos detalhes e das cenas longas?
Eu anoto tudo. Tudo. Diálogos, a atmosfera, as horas, o clima etc. Tudo.

Você anota tudo mesmo ou faz uma seleção quando já está em campo?

Anoto a maioria das coisas, incluindo impressões ou como algo me toca. Naquele momento, coisas do tipo “aqui eu ri” ou “isso me fez chorar”. Talvez seja apenas uma reação nervosa do meu próprio íntimo. Mas é algo que eu faço.

Como você evita que a relação com as fontes se torne muito pessoal, já que você quer que elas se aproximem de você? Que tipo de acordo se deve fazer com as fontes para evitar problemas éticos? Em uma cena crítica, quanto tempo um repórter deve esperar para começar a ajudar?

Nenhum jornalista deveria, em função de uma matéria, ficar esperando e apenas assistindo a um perigo ou um sofrimento aumentarem e espalharem-se. Ao mesmo tempo, estamos ali para documentar a realidade. O que faz uma correspondente na África, quando anda num campo de refugiados famintos, com as mãos estendidas em sua direção? O que você faz com sua garrafa de água no Sudão, ao ficar rodeado por pessoas famintas e sedentas, a centímetros de você?

Estas são perguntas difíceis, mas os cenários são extremamente reais. Eu escrevi sobre uma família no Kentucky que estava com uma filha com febre alta. Eles não tinham carro para levá-la ao médico. Meu carro alugado estava estacionado perto dali.

Mas não ofereci para levá-los rapidamente. Precisava ver como eles resolveriam aquele dilema, pois transporte e apoio médico fazem parte de uma longa história da pobreza. Mas quero ser clara: se a garota se encontrasse em sérios riscos, eu a teria levado ao hospital, sem dúvida alguma. Por sorte, o pai descobriu uma solução antes de chegarmos às providências mais severas.

Qual é a sua opinião sobre empregar diálogos que você não tenha ouvido pessoalmente?

Parafrasear geralmente é a melhor opção, e depois esclarecer de onde veio a informação. Isso pode ser resolvido ao dizer “lembrado vagamente” ou “o modo em que foi mais ou menos lembrado”. O diálogo direto é sempre o ideal, mas se você está reconstruindo, o uso das sentenças sugere que você ouviu cada uma das palavras e está transmitindo-as exatamente ao leitor. Se você usa citações, as palavras contidas devem ser exatas. Você tem certeza que elas são?


* Entrevista concedida a Ole Soennichsen, jornalista e professor de Jornalismo Literário/Jornalismo Narrativo na Dinamarca. Versão reduzida, editada e preparada por Edvaldo Pereira Lima. Tradução de Fred Linardi.