segunda-feira, 28 de setembro de 2009

O início do primeiro capítulo

Estou começando o Trabalho de Conclusão de Curso. O tão aguardado, temido, e odiado por tantos, TCC. Como já previa, vou aproveitar o espaço do blog para organização de alguns materiais. Hoje escrevi cinco páginas. Posto três delas, ainda antes da minha orientadora avaliar.

O real não está na saída nem na chegada:
ele se dispõe para a gente é no meio da travessia.
Guimarães Rosa

Todo jornalista, para fazer um bom trabalho precisa saber contar histórias. No entanto, apesar de trabalhar com histórias não-ficcionais, jornalistas precisam da linguagem para representar o real. De acordo com a professora de Língua Portuguesa da Faculdade Cásper Líbero, Nanami Sato, “a ideia de representação carrega a de substituição, de reprodução, de figuração”. Ela aborda temas como a construção da objetividade jornalística através de um discurso que encarna a totalidade do real.

A relação entre representação e mundo representado mostra-se bastante complicada, pois uma coisa ou um conjunto de coisas corresponde a relações que essas coisas encarnam, contendo-as ou velando-as. Em vez de revelar o real, pode-se dizer que a representação, ao dar-lhe suporte, substitui a totalidade e a encarna, em vez de remeter a ela.

Mesmo que se postule que a representação revela alguma coisa do real, é preciso ter em mente as condições em que ela emerge. Basta lembrar que o autor já carrega em si certos implícitos de representação; o resultado, a representação, constitui, portanto, uma criação destinada a um ou mais receptores.

A vocação da notícia é representar o referente, o que torna a notícia, em princípio, verificável. Ao exigir-se do jornalista o uso da terceira pessoa que garantiria formalmente a impessoalidade do discurso, tem-se como resultado um discurso esvaziado, que acaba por ocultar o processo social que possibilitou a notícia.

O “apagamento” das marcas do sujeito tem como resultado um efeito de objetividade, pois o peso dado ao referente externo cria a ilusão de sua autonomia, de uma existência independente da linguagem. O efeito de objetividade “faz confundir a história enquanto processo com o acontecimento enquanto espetáculo” (Baccega: 1991: 126). (SATO In CASTRO, Gustavo de; GALENO, Alex, 2005, p. 30 e 31).

Sato considera que a representação da realidade é construída através de recortes do processo histórico que são apresentados como se constituíssem a totalidade.

A seleção dos momentos substitui o real por um real representado e traduz valoração do que se considera como momentos significativos. A preocupação com coleta de dados evidentes preenche o texto com pormenores descritivos, causando a impressão de que o real concreto basta a si próprio. A esse fenômeno Barthes (1970:136) chamou ilusão referencial. Jules Gritti (In: Barthes, R. et alli: 1973) considera a narrativa de imprensa uma espécie de jogo metanarrativo, o jogo das relações entre o narrador e as fontes de informação (SATO In CASTRO, Gustavo de; GALENO, Alex, 2005, p. 32).

No Brasil e no mundo, inúmeros jornalistas buscam no jornalismo literário uma forma de narrativa que, por ser menos pretensiosa no que tange ao efeito de objetividade e conter mais informações sobre o processo que transforma histórias em produtos midiáticos, soa mais honesta. A Academia Brasileira de Jornalismo Literário utiliza o conceito de jornalismo literário elaborado pelo jornalista, professor e pesquisador Edvaldo Pereira Lima:

Modalidade de prática da reportagem de profundidade e do ensaio jornalístico utilizando recursos de observação e redação originários da (ou inspirados pela) literatura. Traços básicos: imersão do repórter na realidade, voz autoral, estilo, precisão de dados e informações, uso de símbolos (inclusive metáforas), digressão e humanização. Modalidade conhecida também como Jornalismo Narrativo.

Tema amplamente debatido entre estudantes e professores, a relação entre o jornalismo e a literatura há muito tem alimentado pesquisas e análises. O escritor Moacyr Scliar (In Castro e Galeno, 2005, p.14) acredita que há sim, “uma fronteira entre jornalismo e ficção. Mas é uma fronteira permeável, que permite uma útil e amável convivência”. Para o autor que escreve crônicas em jornal e não é jornalista, a literatura tem muito a ensinar sobre o cuidado com a forma e a valorização da imaginação. Desde que, é claro, não haja exageros.

Segundo Francisco Gutiérrez Carbajo, “a relação entre literatura e jornalismo conhece um primeiro momento de esplendor com a aparição das revistas culturais do século XVIII, estreita-se ao longo do século XIX e constitui um dos capítulos fundamentais da cultura do século XX” (Gutiérrez Carbajo apud Medel, 2005, p.16). O catedrático de Literatura e Comunicação Manuel Ángel Vázquez Medel (In Castro e Galeno, 2005, p.16) admite que Jornalismo e Literatura “têm andado sempre de mãos dadas” desde o romanticismo, mas, baseado na obra de Marcel Proust, simplifica que a “literatura se orienta para o importante e a informação jornalística para o urgente” (Op. cit., p.18). Para ilustrar, apresenta a fala do protagonista de No Caminho de Swan, obra de Proust: “O que me parece mal nos jornais é que solicitem todos os dias nossa atenção para coisas insignificantes, enquanto não lemos mais que três ou quatro vezes em toda nossa vida os livros que contêm coisas essenciais”. O próprio Medel defende que “é verdade que nossa época se caracteriza pelo sacrifício das coisas verdadeiramente importantes, em benefício das que reclamam nossa atenção com o engodo da urgência.” (Op. cit.)

Um dos “obejtivos fundamentais de um programa comparatista e multicultural de investigação sobre as relações entre jornalismo e literatura” citados por Medel (Op. cit., p.21) seria a construção de “instrumentos metodológicos (...) e críticos para entender e apreciar o jornalismo como criação de uma natureza distinta àquela do discurso literário, porém com aspectos comuns” (Op. cit., p.22).

Juremir Machado da Silva, que é jornalista, escritor, professor da FAMECOS/PUC-RS e Doutor em Sociologia pela Sorbonne, entende que a distância entre jornalismo e literatura que muitos querem impôr à comunicação social pode trazer problemas. Para ele, “o jornalista que só pensa na precisão do dado, esquece a necessidade de imprecisão da forma” (In Castro e Galeno, 2005, p.50). E completa ainda, dizendo que “O grande problema do jornalismo contemporâneo vem do seu ideal de expressão (conteúdo) máxima com expressividade (forma) mínima. Em outras palavras, o jornalismo quer dizer muito com pouca literatura” (Op. cit., p. 51).

Sobre a dependência da linguagem ficcional, a Professora Nanami Sato defende que a própria prática jornalística impõe a relação com a linguagem ficcional.

Apesar da vocação para o “real”, o relato jornalístico sempre tem contornos ficcionais: ao causar a impressão de que o acontecimento está se desenvolvendo no momento da leitura, valoriza-se o instante em que se vive, criando a aparência do acontecer em curso, isto é, uma ficção. Além disso, o jornalismo, produto industrial, precisa de esquemas para captação de notícias, dos quais a fonte é uma das principais. As fontes podem constituir posições estereotipadas; frequentemente, com a consulta a especialistas, a ação quase não aparece, apenas a linguagem como reforço, como redundância. (SATO In CASTRO, Gustavo de; GALENO, Alex, 2005, p. 31 e 32).

Mestre em Literatura pela Universidade de Brasília e Doutor em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Rildo Cosson (In Castro e Galeno, 2005, p. 59) afirma que apesar do jornalismo ter sido “construído como uma escrita da objetividade (...) em oposição à subjetividade artística da literatura”, a própria história do jornalismo mostra que, tanto no Brasil como em outros países, “nasceu ligado à literatura e à política”, demonstrando “uma longa convivência entre os dois discursos, como comprovam não apenas as seções de variedades e os folhetins, de onde surgiu a nossa crônica, como também o exemplo maior de Os Sertões, de Euclides da Cunha”.

Continua... pelos próximos meses.